O Carl Sagan abriu a serie televisiva Cosmos com uma frase que nunca mais me saiu da cabeça:
“If you wish to make an apple pie from scratch, you must first invent the universe”1
Carl Sagan
Porra pá. É lindo. Para mim isto é poesia. Começa por parecer uma receita televisiva de Domingo à tarde e acaba com nada mais, nada menos, do que a coisa mais difícil de entender no Universo – o aparecimento do próprio. Para além desse contraste tem outra coisa fixe – é verdade. Qualquer fenómeno desde uma rabanada até uma discussão política exige que primeiro exista o espaço, o tempo e a matéria. Apresento-vos então a minha frase, inspirada pelo Carlos:
“Tá bem Tomás mas isso é óbvio. Que porcaria de blog.” É verdade hater fictício, mas confia em mim. Falar das coisas desde o início dos tempos vai-nos ajudar a ganhar uma perspectiva mais holistica (e bonita) de tudo o resto. Tamos juntos!
Começámos a História das Tuas Opiniões com duas pessoas polarizadas a berrarem furiosamente uma com a outra, ambas convictas que estão do lado dos bons. Para entender melhor esse fenómeno viajámos para trás no tempo e durante dois capítulos percorremos a tua vida desde o momento da tua concepção até começares a conseguir pensar por ti próprio. Foi bom porque ganhámos algumas Ferramentas Despolarizadoras importantes. Com o objectivo final de entendermos melhor a evolução dos nossos processos cognitivos, vamos dar um último salto temporal: Até ao Big Bang que te pariu.
O Big Bang Que Te Pariu (5min)
No princípio era o Nada? Ou havia alguma coisa? E antes disso houve um tempo antes do tempo? Um espaço antes do espaço? Ninguém sabe. Antes do BigBang, e até no próprio momento ZERO do Universo, ninguém percebe puto daquilo que aconteceu. Já no período entre o Universo ter uma milionésima de segundo e o dia de hoje, a teoria do BigBang tem tido muito sucesso em explicar tudo o que aconteceu. Parece que o Universo começou há 14 mil milhões de anos, pá.
Big Bang é um Nome Péssimo (2min)
Um dos erros mais comuns do conhecimento popular científico é a ideia do Big Bang ter sido uma explosão. O Big Bang não foi uma explosão. (Repete várias vezes para nunca te esqueceres). Quando eu era um jovem Físico universitário fiquei surpreendido por me terem andado a enganar tanto tempo com a imagem da explosão. Vou te contar porque é que Big Inflation ou Big Stretch seriam nomes muito melhores.
Em 1929, Edwin Hubble e a sua equipa começaram a olhar para as profundezas do cosmos com o objectivo de medirem a velocidade e a trajectória das galáxias distantes. Esperavam encontrá-las a moverem-se em todas as direções e velocidades mas em vez disso descobriram uma coisa que lhes derretou o cérebro: todas as galáxias, em todas as direções estão a afastar-se de nós! Como se isso não fosse estranho o suficiente, todas se afastam com o mesmo perfil de aceleração – simetria circular.234
“WTF?”, disse o Hubble. Era um resultado muito confuso. A única forma de o explicar seria afirmar que a Terra era o centro do universo. Entretanto, só para tornar as coisas ainda mais estranhas, mais tarde descobriu-se que independentemente das nossas coordenadas no espaço as galáxias afastam-se sempre do ponto de observação. Espera. Então é como se todos os pontos fossem o centro do universo? Sim. Até o teu umbigo? Parece que sim.5
Os nossos umbigos parecem todos o centro do universo porque o que aconteceu no Big Bang não foi uma explosão de matéria – foi uma inflaçãodo próprio espaço-tempo. A nossa dificuldade em entender uma inflação do próprio espaço está relacionada com não conseguirmos imaginar um ‘não-espaço’ para onde o nosso espaço possa estar a crescer. Para nos ajudar a pensar nisso precisamos de visitar um universo chamado Flatland e depois precisamos de encher um balão. Confia.
Flatland (2min)
Há um romance inteiro só sobre isto. Recomendo-o vivamente a qualquer pessoa que queira ganhar humildade interdimensional. Imagina seres que vivem num mundo absolutamente plano – um mundo com duas dimensões. Nós humanos, por vermos e sentirmos em três dimensões, conseguimos ver tudo o que acontece no mundo deles sem que eles consigam sequer imaginar a terceira dimensão espacial. Nas aulas de Física deles, os professores ensinam aos alunos que existem duas dimensões espaciais e uma temporal – quem responde diferente leva nega.
Se estes seres tivessem ouvidos podias tentar falar com eles. Inicialmente apanhariam um susto enorme (coitados) e provavelmente a tua voz seria interpretada como um milagre. Vamos pôr-te a falar com um quadrado:
Quadrado (assustado a andar às voltas): “Onde estás?” Tu: “Estou aqui, numa dimensão superior à tua.” Quadrado: “Não te vejo! És Deus?” Tu: “Não! Não sou Deus pá! Sou uma pessoa normalíssima mas com três dimensões. Estou aqui logo acima de ti! Olha para cima ou para baixo.” Quadrado: “Cima? Baixo? Não entendo essas palavras! Talvez seja um problema de tradução. Para nós existe frente, trás, esquerda e direita. Qual desses é?” Tu (frustrado): “Pá… é tão óbvio que nem te consigo explicar! É uma outra direção perpendicular a essas todas. Mas acho que nunca vais perceber – não a entendes, não a sentes, e não consegues olhar nessa direção.”
Até aqui tudo bem. É fácil de imaginar, não é? Agora vamos fazer uma coisa muito simples: em vez de falares com um ser 2D que não te consegue ver, vais falar com um ser 4D que tu não consegues ver. Estás em casa no sofá e começas a ouvir uma voz invisível:
Jovem 4D: “Não. Não sou Deus. Sou um jovem normalíssimo mas que vive em quatro dimensões do espaço.” Tu (assustado): “Mas onde estás?” Jovem 4D: “Estou aqui! Logo a glork de ti! Olha para Glork ou para Flab. Tu: “Mas o que é que é isso? Fala direito! Cima, baixo, esquerda, direita, frente ou trás, onde?” Jovem 4D: “Pá… é tão óbvio que nem te consigo explicar! É simplesmente Glork e Flab… uma direção perpendicular a essas todas. Mas nunca vais perceber – não a entendes, não a sentes, e não consegues olhar nessa direção.”
É uma moca pensar nisto não é? Eu pelo menos adoro! Vamos pegar no universo 2D dos nossos amigos e curvá-lo de forma a criar uma superfície esférica.
Num universo 2D com esta geometria, independentemente da direção que os habitantes escolham para viajar, acabam sempre por voltar ao seu ponto de partida. Dão a “volta ao universo” sem sentir a curvatura: na percepção deles estiveram sempre a andar em linha recta. Embora a curvatura seja responsável por uma característica do seu universo, por essa curvatura ser na terceira dimensão espacial é totalmente invisível para eles. É uma dimensão que não conseguem sentir nem entender. Tipo Glork e Flab para ti.
O Balão 4D Que Te Pariu (1min)
Agora que já visitámos Flatland podemos voltar ao mistério: Porque é que a observação das galáxias faz parecer que todos os pontos são o centro do universo? Vamos ao balão!
Este balão tem 4 dimensões espaciais e o nosso universo tridimensional está todo representado na superfície do balão. Não se assustem! Parece confuso mas não é. Na verdade o balão é igualzinho ao exemplo de Flatland mas desta vez quem não consegue sentir a curvatura somos nós. Finalmente, chegamos à forma mais intuitiva de explicar a expansão do Universo: O que está a acontecer desde o Big Bang até hoje é o esticar da “borracha” onde o Universo se encontra.
Muita gente comete o erro de pensar que o centro do balão é o centro do Universo. Está mal! Foi precisamente para evitar esse tipo de interpretação que falámos sobre Flatland. A superfície do balão representa todo o nosso universo tridimensional. Tudo que não seja a superfície do balão é Glork e Flab – uma quarta dimensão incompreensível para seres 3D como nós.
Fixe, não é? 🙂 Repara no seguinte: Independentemente da galáxia em que te imaginares no balão acima, quando olhares para as outras galáxias à tua volta elas vão estar sempre a afastar-se de ti. Bate certo com as observações! É por isso que todos os pontos parecem ser o centro do Universo – nenhum deles é! Chupa umbigos.67
Se estiveres com dor de cabeça é normal – embora seja muito divertido, não é nada fácil pensar sobre a quarta dimensão. Agora que os leitores do Despolariza nunca mais na vida vão dizer que o Big Bang foi uma explosão já me sinto mais descansado e podemos avançar.
És Feito de Pó de Estrelas (1min)
Toda a matéria e energia que existe teve origem no BigBang. Todos os átomos do teu corpo; todas as árvores, animais, e rochas; aquele molho que às vezes escorre dos sacos de lixo; relíquias sagradas; o ecrã onde estás a ler isto, e todas as galáxias do espaço sideral – tudo esteve lá. O Universo inteiro já foi uma pequena bola de massa e energia. Eu acho isso bonito e humildante.8
Quando o universo tinha poucos segundos de vida, a tabela periódica só tinha um elemento: o Hidrogénio. Pouco depois disso, dois átomos de Hidrogénio fundiram-se e apareceu o segundo elemento do universo: o Hélio. Todos os outros elementos que conheces (como o Ouro, o Oxigénio, e o Flúor que as pessoas dos anúncios de pasta de dentes tanto adoram) resultam de uma fusão daqueles que já existiam antes na história do Universo.
Durante milhares de milhões de anos foi um regabofe pá. Das nuvens primordiais de Hidrogénio e Hélio nasceram as primeiras estrelas, no centro dessas estrelas criaram-se novos elementos, e no momento de explosão dessas estrelas, os novos elementos eram espalhados pelo cosmos em nuvens de gás e pó – a matéria prima das estrelas seguintes. E assim – numa dança cósmica entre estrelas, explosões e pó – a matéria do Universo foi nascendo. Com o passar do tempo alguma matéria mais pesada arrefeceu e criou planetas sólidos. Um deles foi a nossa querida Terra.
Pelo meio houve várias idades do gelo e muita coisa fixe que vamos saltar.
A Parte Que Mais me Confunde (2min)
O aparecimento da Vida, há cerca de 4 mil milhões de anos, dá-me muito mais dor de cabeça do que o aparecimento do Universo há 14.
O aparecimento do Universo, do espaço e do tempo, é um mistério tão grande que nem conseguimos pensar direito sobre ele. Já li um bocado sobre o assunto mas é uma brincadeira sem grandes regras em que vale quase tudo. Está demasiado longe da nossa compreensão limitada.9 O aparecimento da Vida causa-me muito mais confusão porque aconteceu dentro de um Universo onde já existiam regras. Todas as forças e fenómenos da Física eram exactamente iguais ao que são hoje. Para mim, o aparecimento da vida é tão estranho como estar a jogar Monopólio, conhecer perfeitamente as regras do jogo, e de repente alguém lançar um sete. Um dia talvez aprofunde algumas teorias para o início da vida mas hoje vamos simplesmente ter que assumir que aconteceu.10
E assim, pelos mistérios da Física e da Metafísica, algumas moléculas juntaram-se de forma a criar uma entidade fechada que exibia “vontade” de se reproduzir: A primeira vida. O mítico Avô LUCA – Last Universal Common Ancestor.
No próximo capítulo vamos testemunhar a evolução dos descendentes do Avô LUCA e o aparecimento gradual das características sensoriais e cognitivas que nos tornam seres tão fáceis de polarizar.
Hoje percorremos desde o Big Bang até ao aparecimento da Vida e pelo meio fizemos ginástica interdimensional! Foi uma grande viagem 🙂 11 Espero que saiam daqui com uma nova compreensão sobre a expansão do universo e alguma matéria-prima para terem boas conversas com os vossos. Estou mortinho por começar a escrever sobre evolução. Vai ser espectacular. See you there!12
Quando os moderados ficam em silêncio os polarizados controlam o mundo. Se gostaste deste post, por favor partilha 💙
“Se queres fazer uma rabanada do zero, primeiro tens de inventar o universo.” ↩
Um padre Católico genial chamado Georges Lemâitre já tinha proposto esta teoria alguns anos antes – na verdade foi ele o inventor da Teoria do Big Bang.↩
O termo “Big Bang” foi inventado pelo astrónomo Fred Hoyle meio na tanga. O Fred tinha uma teoria que considerava superior então num programa de rádio da BBC a certa altura despejou o termo “Big Bang” de forma pejorativa e acabou por ficar para sempre.↩
Fui à procura de algum registo auditivo desse programa mas não encontrei. O que encontrei foi esta página da transcrição feita na altura. Vejam o início da quarta linha.
Diz ‘bigh’ com um ‘h’ meio apagado. Isto significa que o Big Bang criou um universo onde a primeira pessoa a escrever a expressão “Big Bang” se enganou. Foi provavelmente a transcrição mais importante da vida dessa pessoa e calhou cócó. Grande azar aquele dedo indicador da mão esquerda ter escorregado do G para o H.
(O resto desta bolinha azul é ainda mais opcional e nada importante, talvez ler só no fim do artigo se te apetecer saber mais)
“Aprofundamento do “Erro de Transcrição de Johnson”
Não seria intelectualmente honesto da minha parte expor aqui apenas a Teoria da Tecla Escorregadia (também conhecida por Teoria da Mão Esquerda). Na verdade existem várias outras teorias no debate académico intenso à volta do Erro de Transcrição de Johnson. Dada a posição central e bastante próxima das teclas ‘H’ e ‘B’, algumas escolas de pensamento rejeitam essa hipótese defendendo antes a “Teoria da Mão Direita”. Os mão-direitistas defendem que a falta de evidência de “erros escorregadios” no resto da transcrição tornam mais provável Johnson, na verdade, ter cometido dois erros – ambos com a mão direita: 1) Na tentativa de passar da palavra ‘Big’ para a palavra ‘Bang’, Johnson não premiu com sucesso a tecla espaço. 2) Sem se aperceber do erro 1), e com intenções de premir a tecla B com o indicador, Johnson por alguma razão premiu a tecla H.
Os escorregadistas (mão-esquerdistas) tiveram uma pequena vitória em 1972 quando, no espaço de apenas duas semanas, recolheram dois pedaços de evidência irefutável. A primeira foi a descoberta do hábito de Johnson de levar uma marmita com croquetes para o lanche. A segunda foi a descoberta das famosas “Faturas Guardanápicas” que comprovaram, sem margem para dúvida, que os únicos guardanapos comprados pela BBC entre 1921 e 1954 foram guardanapos foleiros de café daqueles que ficam logo transparentes e que na prática só espalham a gordura pelos dedos.
Perante isto os direitistas – já bastante polarizados – ripostaram que nenhuma das novas evidências era disruptiva pois nos documentos originais (atualmente conservados em Oxford) não existem impressões digitais que indiquem qualquer tipo de gordura de croquete. A isto os escorregadistas responderam que Johnson (como qualquer escrivão experiente de alta velocidade) tinha a habilidade de trocar as folhas da máquina de escrever utilizando apenas a mão direita e que o mais provável é que tenha passado essa mão pelas calças de ganga antes de começar o trabalho pós-croquete – gesto que não sentiu necessidade de executar com a mão esquerda. Foi precisamente num debate à volta das Faturas Guardanápicas que Lester Left disse uma das suas frases mais célebres:
“Os mão-direitistas são inconsistentes e intelectualmente desonestos ao ponto de atacarem a nossa posição quase exclusivamente na sua dimensão escorregadia, enquanto eles próprios não hesitam em aceitá-la como justificação possível para a segunda parte da sua teoria.”
(Existe uma terceira escola de pensamento mais pequena e infelizmente pouco respeitada no mundo académico: A Teoria Profética. Estes acreditam que o Erro de Johnson tenha sido um sinal metafísico – um aviso divino da Teoria do Big Bang estar errada.)
Resta apenas acrescentar que, curiosamente, foi num programa de rádio da BBC em 1979 que um dos líderes da escola mão-direitista inventou o termo “escorregadistas” numa descrição pejorativa e condescendente de quem defendia essa teoria. Não houve um único erro na transcrição desse programa e foi o fim do fractal. ↩
A próxima vez que alguém disser “Aquela fulana deve-se achar o centro do Universo.” podes responder “E tem toda a razão!!!” e nesse momento vais partir tudo em frente aos teus amigos físicos que te vão dar imensos high-fives e depois vão todos jogar Minecraft juntos. THUG LIFE.
Se o nosso Universo realmente for a superfície de uma esfera na quarta dimensão, isso tem algumas implicações interessantes. Da mesma forma que qualquer recta que desenhes no balão esférico volta ao seu ponto de partida, então (voltando por momentos à nossa sensação tridimensional do universo) qualquer direção que escolhas para viajar em linha recta no cosmos eventualmente vai parar ao teu ponto de partida. Dás uma “volta ao universo” sem sentir a curvatura.↩
Para explicar o Big Bang utiliza-se a analogia do balão porque é a forma mais fácil e intuitiva de explicar a expansão do espaço-tempo. Na verdade ainda não se sabe qual é a geometria do Universo. Pode ter qualquer uma das formas abaixo e várias outras.
‘Humbling’ é daquelas palavras inglesas que me faz muita falta na língua Portuguesa. ‘Humilhante’ tem a conotação negativa que todos conhecemos e qualquer outra hipótese é demasiado longa ou rebuscada por isso inventei esta. Espero que não considerem uma enorme prepotência da minha parte. ↩
Aposto que existem seres numa dimensão superior que dizem: “Devias ter visto a tua cara! Parecias um humano a olhar para o Big Bang! Hahaha!”↩
Há muitos vídeos interessantes sobre o início da vida no Youtube mas isso tu ja sabias.↩
Perdoem-me o aparte sobre o “Erro de Transcrição de Johnson” mas ri-me muito a escrever aquilo então tinha mesmo que ficar. Está na bolinha azul 4.↩
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